Discos para história: Born In The U.S.A., de Bruce Springsteen (1984)


A 42ª edição do Discos para história, que volta após a pausa de um mês, conta a história de Born In The U.S.A., álbum que consolidou a carreira de Bruce Springesteen como trovador moderno. Ninguém sabe contar histórias e é tão ligado ao público como ele.

História do disco

A história de Born In The U.S.A. começa em 1981, quando Bruce Springsteen foi convidado para escrever a canção-título para um filme de de mesmo nome, lançado apenas em 1987. Mas a ideia de falar sobre e com os Estados Unidos de maneira mais direta estava gravada na cabeça do cantor, que havia lançado o sombrio Nebraska dois anos antes.

O sétimo álbum de estúdio consolidaria um tipo de temática que ele se tornaria muito conhecido: falar com a classe trabalhadora sobre seus problemas. Desde meados dos anos 1970 que Springsteen vinha martelando nesses assuntos, conseguindo consolidar seu som – e seu estilo – em 1984, ano do lançamento de trabalho de maior sucesso.

Quem pensa que Springsteen só fez sucesso a partir de Born In The U.S.A. está enganado. Ele já vinha em uma crescente desde Born to Run, mas, claro, sofreu altos e baixos na carreira. As turnês que aconteceram entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 foram de sucesso, porém ele quebrou isso com Nebraska, um disco acústico e pouco convidativo para fazer sucesso nas rádios.


Mesmo rico e fazendo sucesso, Bruce passava por um período difícil na sua vida pessoal. Não é difícil ler relatos de que a depressão e o álcool foram seus grandes companheiros por longos dias na Califórnia, local onde detestou morar – ele fala desse período com uma visível ponta de tristeza. Boa parte das letras foi composta nesse péssimo estado emocional de um homem que havia abandonado suas raízes, mas desejava reencontrá-las.

Comercialmente, Born In The U.S.A. é o maior sucesso da carreira, contabilizando sete músicas no top-10. E apesar de muitos pensarem que o álbum se trata de algum tipo de exaltação aos Estados Unidos, pode esquecer, pois é o típico disco que deveria vir com o selo “contém ironia” na capa. Musicalmente, mistura country, folk, rock e sintetizadores, algo inédito em qualquer outro material que Springsteen havia gravado em toda sua carreira, mas também conta com músicas reflexivas sobre o momento dos EUA naqueles dias, algo que ele ainda faz com maestria

No ano em que foi lançado, o LP concorria com Michael Jackson, Prince, Janet Jackson, o final do período new wave e seus sintetizadores, o fortalecimento do metal (farofa ou sem) e a crise dos veteranos dos anos 1960/1970, que raramente figuravam nas paradas de sucesso. Foi o sopro que o rock conseguiu dar em muito tempo – e que sopro. Foram 15 milhões de cópias vendidas nos EUA e 30 milhões no mundo, e foi muito elogiado pelos críticos, e é um dos melhores discos de todos os tempos. A capa é uma foto clássica tirada pela fotógrafa Annie Leibovitz, e o trabalho se tornou um clássico da cultura americana, uma exaltação ao povo e aos trabalhadores.

O legado desse disco de Bruce Springsteen não está apenas na música, está na crença de que o ser humano pode ser muito melhor do que ele pode ou tenta ser. Há 30 anos que ele bate na mesma tecla e, aparentemente, não desistirá disso nunca. Ainda bem, porque essa vontade de criticar e propor uma reflexão gera discos maravilhosos.



Resenha de Born In The U.S.A.

Antiga composição de Bruce, Born In The U.S.A. não só abre o álbum, como dá nome ao disco. A bateria militar e a ausência de guitarras no primeiro trecho mostram a força poderosa dessa faixa, que foi sendo reformulada pelo compositor até chegar ao estágio em que foi gravada para virar uma canção gigante com metais, teclados e guitarra. Ela fala sobre a Guerra do Vietnã, sobre os soldados que voltaram sem nenhum tipo de suporte do governo, sobre trabalhadores, enfim, fala sobre o americano comum e suas dificuldades. Ronald Reagan até tentou usar a faixa como música da campanha de sua reeleição, mas Springsteen, educadamente, rejeitou. O caso de Reagan vale um “sabe de nada, inocente”.

A entrada de “Cover Me” aconteceu por pura insistência de John Landau, então empresário do cantor e produtor do novo trabalho. E ele acertou na escolha. Também repleta de teclados, é animada e conta com uma E Street Band inspiradíssima na gravação, e a voz rouca de Bruce combina muito bem com a letra. Mudando da água para o vinho, o clima country de "Darlington County", nome de uma cidade que fica na Carolina do Sul, traz a raiz de Bruce à tona neste disco, e conta uma típica história do sul dos Estados Unidos – esse tipo de música faz parte dos pilares da música americana.



Animada, "Working on the Highway" se popularizou por dar uma quebrada entre uma reflexão e outra durante as apresentações, e é possível ver a identificação de todos na letra, que conta a história de trabalhadores que vão farrear logo após receber o pagamento e arrumam altas confusões. Claramente composta em um período difícil da vida de Bruce, "Downbound Train" é o contraponto da faixa anterior e é muito, muito triste, mas a melodia é belíssima, e a voz tranquila é um convite a acender um cigarro e ficar horas olhando para o nada. Encerrando o lado A, “I’m on Fire” é a primeira faixa de Bruce a ter sintetizadores, algo que seria visto com frequência no disco, além, claro, do apelo sexual.

“No Surrender” abre o lado B e só tem a melodia de animada. A letra é uma pancada no governo americano e suas ações durante os anos 1970, que tiraram vários jovens de suas casas – muitos deles não voltaram. Mas também tem aquele sopro de esperança (By the river bed/ With a wide open country in our hearts/ And these romantic dreams in our heads). De volta ao country-folk, “Bobby Jean” é a paixão que foi embora sem se despedir, e a impressão é que é biográfica. Faz sentido que ele não faça nada, o que ele queria era apenas dar tchau – o solo de saxofone é absurdamente emocionante.



A força da E Street Band aparece mais uma vez em “I'm Goin' Down”, e Bruce só tem o trabalho de despejar sentimentos enquanto canta. Se até aqui, fora a abertura, tudo ocorre de maneira perfeita, “Glory Days” é o auge do disco. Um dos hinos ao povo americano, é a típica canção do amor adolescente nos Estados Unidos por conter todos os clichês possíveis, mas é deliciosa mesmo assim. De refrão fácil, gruda na sua cabeça, ficando impossível não cantá-la por aí.



Se ter um hino em um álbum é algo marcante, imagine dois? “Dancing in the Dark” é da lista das faixas que foram compostas durante o período depressivo de Bruce e conta com uma temática pesada, mas uma melodia ótima, e também é mais conhecidas do repertório. Encerrando o álbum, “My Hometown” é o pedido sincero, desesperado até certo ponto, de um homem que está infeliz e fica remoendo o passado em sua cabeça enquanto toma um copo de vodca. Uma balada essencial que traz o country-folk à moda novamente.

Ninguém, até hoje, soube contar histórias como Bruce Springsteen, e não acho que alguém será capaz de chegar perto do que ele fez, principalmente em Born In The U.S.A., um clássico americano. É bom aproveitar e vê-lo enquanto é tempo, porque estamos diante do último trovador da música, aquele homem que não vê a música apenas como meio de fazer sucesso, mas um meio de contar histórias, expor sentimentos e o melhor e o pior dos seres humanos. Um álbum que precisa estar em qualquer coleção.



Veja também: 
Discos para história: The Rolling Stones, dos Rolling Stones (1964)
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