Discos para história: Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges (1972)


A 28ª edição do Discos para história fala do Clube da Esquina e como esse movimento de Minas Gerais colocou outro olhar na musica popular feita no Brasil nos anos 1970.

História do disco

Assim como quase em todo lugar do mundo, cenas culturais nascem para abrigar pessoas interessadas em divulgar suas poesias, músicas e bandas. Durante os anos 1960, o Rio de Janeiro vivia sua Era de Ouro com relação a isso, já que quase todos os grandes músicos, cantores, bandas e poetas estavam na então capital do Brasil.

Não muito longe dali, outra cena estava sendo fomentada – precisamente em Minas Gerais. Como qualquer pessoa que quisesse ser músico, as influências eram muitas: desde a bossa nova, movimento genuinamente brasileiro, até o estrangeiro do rock and roll. Tudo ajudou a formar o Clube da Esquina, grupo de jovens que contava com Milton Nascimento, Paulo Braga, Wagner Tiso, Fernando Brant, Márcio Borges, Toninho Horta e Nivaldo Ornelas, e mais tarde contou com Lô Borges e Naná Vasconcellos.

Mesmo com a efervescência cultural do Brasil naquela época, a ditadura militar havia se instalado há pouco tempo, e isso colocaria alguns obstáculos no lançamento de LPs, divulgação de artistas e em algumas letras que seriam censuradas pelo governo – falando o mínimo do pior período da história do Brasil.


No final dos anos 1960, Nascimento começa a se destacar em festivais na TV, muito populares naquela época por serem construídos quase como uma novela, com vilão e mocinho e uma participação maciça do público na vaia, então um patrimônio dos programas do estilo. Já com três discos lançados até o início de 1970, Milton já era um artista consagrado entre público e crítica, inclusive com um álbum gravado nos Estados Unidos, a Meca de qualquer cantor.

Entre 1971 e 1972, o Clube da Esquina se uniu para gravar o trabalho que levaria o nome desse movimento. Ao ouvir o LP, parece um mundo muito particular, algo só deles, mas não. É algo mundial, que talvez só a Tropicália tenha conseguido fazer algo semelhante. Uma coisa que muita gente ainda não aprendeu: não adianta só copiar o que se faz nos Estados Unidos, na Inglaterra ou de qualquer grande centro. O Brasil é rico musicalmente o suficiente para influenciar e ser influenciado, e foi esse balanço que esse pessoal de Minas conseguiu fazer muito bem.

A direção musical do LP duplo foi de Lindolfo Gaya, cargo hoje ocupado pelo produtor, enquanto as orquestrações contaram com o empenho do gênio Eumir Deodato e de Wagner Tiso. A capa é simples e tem apenas a foto de Cacau e Tonho, dois meninos que moravam perto da casa da mãe de Milton Nascimento no Rio de Janeiro, local onde o disco Clube da Esquina foi finalizado.

O nome do movimento nasceu pelo fato de os músicos se encontrarem um bar que ficava na esquina do bairro de Santa Tereza. Muitas das canções feitas ali entraram no álbum e ficaram para sempre no imaginário das pessoas até os dias de hoje, mais de 40 anos depois do lançamento, que aconteceu no auge da repressão da ditadura.



Resenha de Clube da Esquina

Disco 1

Clube da Esquina começa com a bela “Tudo o que Você Podia Ser”, faixa com uma pegada folk com um toque muito brasileiro na composição de Lô e Márcio Borges. “Cais” tem um arranjo espetacular, que transporta o ouvinte para dentro do álbum de maneira muito tocante, algo que faz toda diferença. Fora que a voz de Milton Nascimento está impecavelmente bem gravada e consegue ganhar destaque quando necessário.

A terceira canção é um clássico da MPB: “O Trem Azul”. A voz de Lô Borges aparece pela primeira vez no disco cantando você pega o trem azul/ o sol na cabeça, reconhecidamente uma letra que caiu no gosto popular e atravessou quatro décadas. O tom de jazz traz uma tranquilidade e é possível ouvir todos os instrumentos se complementando uns com outros. Coisa linda.



A curta “Saídas e Bandeiras Nº1” mescla um pouco de cada coisa, enquanto “Nuvem Cigana” tem como destaque a orquestra e os instrumentos de sopro que dão o tom. Fechando o lado A do primeiro álbum, o samba “Cravo e Canela” tem os vocais divididos entre Lô Borges e Milton Nascimento e é outro clássico que compõe o disco.

Abrindo o lado B, “Dos Cruces” é uma faixa em espanhol que ganhou uma bela interpretação muito melancólica e uma melodia muito profunda. Outra que está na história da MPB é “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” na voz de Lô Borges. Toda no piano, ela retoma aquele tom de jazz do início Da metade em diante, a canção mistura música clássica com algo mais pop – algo impensado para os padrões da época. “San Vicente” é um flamenco, pois o modo como o violão é apresentado lembra um pouco o ritmo adorado pelos espanhóis. “Estrelas” faz a ponte para a belíssima faixa instrumental “Clube da Esquina Nº2”, fechando brilhantemente a primeira 'bolacha'.

Disco 2

“Paisagem da Janela”, a melhor do disco, abre o segundo álbum. Aqui, Borges fez a canção mais rock and roll do trabalho. A delicadeza da guitarra quase religiosa, encaixada com os outros instrumentos, é de uma magia quase sobrenatural. Alaíde Costa e Milton Nascimento dividem a voz em “Me Deixa em Paz”. Alaíde tem uma voz de cantora de rádio dos anos 1950 nesta que mistura jazz e bolero.



Já “Os Povos” tem uma letra muito profunda que funciona muito bem em ritmo de história. “Saídas e Bandeiras nº 2” lembra um pouco o que os Mutantes fizeram na Tropicália – a mistura de instrumentos para compor a melodia, por exemplo. Fechando o segundo lado A, “Um Gosto de Sol” tem cara de ópera, uma poesia sobre a vida de um homem comum musicada de maneira brilhante.

A psicodelia também tem vez no Clube da Esquina – algo meio Sgt. Peppers – em “Pelo Amor de Deus”, quando artifício da bateria militar, a sobreposição dos instrumentos e o efeito da voz trazem uma leitura bem interessante sobre aquele tempo. A instrumental “Lilia” é o início da parte final do trabalho, com o rock “Trem Doido” e seu incrível solo de guitarra.



Outra faixa que ganhou o mundo, “Nada Será como Antes” é um claro recado aos militares que comandavam o Brasil. Aliás, não sei como essa letra conseguiu ultrapassar a barreira dos censores. A profunda e sentimental “Ao Que Vai Nascer” encerra com maestria um dos grandes LPs brasileiros da história.

À época, o grupo não foi reconhecido como um movimento que mudaria os parâmetros da música nacional, muito menos ganhou grande destaque, mas sua importância para as gerações posteriores foi fundamental para o reconhecimento chegar. Seis anos depois, Clube da Esquina 2 não teve grande destaque, porém o movimento já estava consolidado e cada um conseguiu sucesso em sua respectiva carreira solo.



Veja também:
Discos para história: Definitely Maybe, do Oasis (1994)
Discos para história: Their Satanic Majesties Request, dos Rolling Stones (1967)
Discos para história: Core, do Stone Temple Pilots (1992)
Discos para história: The Velvet Underground and Nico, do Velvet Underground (1967)
Discos para história: With the Beatles, dos Beatles (1963)

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